Temperatura do mar está muito alta no sul chegando a 28°C e até 29°C em alguns locais e no nordeste do Brasil baixou para 27°C na maior parte.
JORNAL ZERO HORA 12/02/2014 | 06h32
Temperatura do oceano sobe quase cinco graus em relação a 2013, e até os peixes sentem os efeitos do clima

Paulo Mattos tem notado a mudança no trabalho. Na segunda-feira, o termômetro do seu bote de pesca marcava 27,1°C
Foto:
Bruno Alencastro / Agencia RBS
Com um calor histórico, o verão de 2014 proporcionou férias
diferentes para a maioria dos veranistas gaúchos. Com pouco vento, água
clara e quente, quem foi ao litoral aproveitou um mar atípico e em
horários alternativos. Quando o sol começa a baixar é quando a areia
passa a receber ainda mais visitantes.
E nem mesmo a vida marinha conseguiu escapar do calorão. A
temperatura do oceano aumentou quase cinco graus em relação à temporada
passada, fazendo algumas espécies de peixes se esconderem nas
profundezas geladas do oceano.
Professor do Departamento de Climatologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Aquino confirma que foi constatada a
elevação na temperatura da superfície do mar desde dezembro até agora.
– Estamos com águas mais quentes, entre 1,5°C até 4,5°C acima da média, que normalmente varia entre 21°C e 25°C na costa gaúcha.
O veranista estranha a água quente, mas gosta. De férias em Torres
desde o período do Natal, a estudante Catarina Marques Maia diz que
nunca curtiu tanto um verão quanto esse. A água quente foi o principal
fator responsável pela curtição de Catarina.
Pescador precisa ir onde água está fria
Além dos veranistas, os peixes também sentiram a diferença. Espécies
clássicas como o papa-terra e o cação estão mais escassas nas redes dos
pescadores, dando lugar a outras mais adaptadas ao clima quente, como o
atum. Anchova, tainha, corvina e peixe-espada são outras variedades do
clima tropical que têm aparecido na pesca de Jaime Souza da Silva, de
Xangri-lá. Para capturá-las, ele precisa ir mais longe, a cerca de três
quilômetros da costa, onde a água está mais fria.
– Na orla, está muito quente. Não estamos conseguindo pegar nada – justifica.
Outro
que tem notado a mudança é Paulo Mattos. Um instrumento no bote que
pesca em Rainha do Mar marcava, na manhã de segunda-feira, 27,1°C. Os
quase cinco graus a mais em relação ao ano passado estão impactando a
diversidade de peixes, mas não a quantidade. No verão, ele tira por dia
cerca de 120 quilos de pescado, uma média boa para quem pratica a pesca
artesanal profissional.
São cinco redes de 300 metros espalhadas em cinco pontos do oceano,
colocadas quando o sol se põe e retiradas na manhã seguinte. Após
driblar as primeiras ondas da arrebentação, Paulo ingressa em alto-mar
para conferir o resultado. Seleciona um por um dos exemplares
capturados. Aqueles cuja pesca é proibida ou sem valor comercial, ele
descarta.
O aquecimento da água não prejudicou o negócio de Paulo. Pelo
contrário: com a frota de botes de fibra que ele construiu com
financiamento do Ministério da Pesca, está forrando as redes de peixe, e
aproveitando a temporada para vender tudo o que pode. Depois da Páscoa,
sai de férias e só volta a pescar no inverno.
MAR MAIS QUENTEDados
sobre a temperatura da superfície do mar (TSM) entre dezembro de 2013 e
10 de fevereiro confirmam o aquecimento do oceano no Rio Grande do Sul.
• A temperatura média do mar na costa do Rio Grande do Sul, segundo a climatologia, normalmente varia entre 21°C e 25°C.
•
Em dezembro e janeiro, a temperatura esteve entre 3°C a 4°C acima da
média. Nos primeiros 10 dias de fevereiro, a variação ficou entre 1,5°C e
3°C.
• No último mês, registrou-se uma variação de 1,5°C até 4,5°C acima da média.
Fonte: Francisco Eliseu Aquino, chefe do Departamento de Geografia/UFRGS
Preço do camarão ficou mais salgado
O mercado de pescado sentiu o aquecimento. O
abastecimento de camarão no Litoral Norte sofre com as altas
temperaturas do mar. Para a produção, a água da lagoa precisa estar
salobra (ou seja, ser invadida pela água do mar e salinizar) e bem
gelada. Conclusão: com a alta temperatura, a produção este ano ficou
prejudicada, e o preço no mercado subiu.
Na peixaria do Paulinho (foto abaixo), em Capão da Canoa, o preço do
quilo de um tipo de camarão saltou de R$ 39 para R$ 79. O consumidor
sentiu. Opções de tipos importados, mais graúdos, como os que o técnico
de futebol Mano Menezes costuma comprar quando aparece na venda de
Paulinho, dispararam para R$ 199 o quilo.
– O aquecimento da água
fez todos os preços subirem. Ficamos preocupados com o que isso vai
representar a longo prazo – diz o vendedor.
Mudança de postura
Uma das possíveis causas da mudança observada por pescadores no
Litoral do Estado seria a elevação da temperatura nos oceanos ao redor
do mundo.
– Com isso, as espécies de clima tropical começam a descer para os
mares do sul em busca de conforto térmico, o mesmo desejado pelos seres
humanos – explica José Truda Palazzo Junior, consultor ambiental e
presidente da Ong Augusto Carneiro.
Truda é o gaúcho à frente do
projeto Divers for Sharks, iniciativa que combate abusos da pesca
industrial e, em especial, de tubarões, peixes que poderão ser
preservados com ajuda internacional. É que o bilionário Michael
Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, anunciou uma doação de US$ 53
milhões para combater a sobrepesca no Brasil, no Chile e nas Filipinas.
A iniciativa, chamada de Oceanos Vibrantes, se empenhará em promover
mudança de postura dos pescadores profissionais para melhorar a
produtividade de peixes. Três organizações internacionais vão entrar em
ação para criar novas políticas, tornar a pesca sustentável e atrair
investidores para bancar práticas não predatórias.
Márcia Cora,
diretora da Rare, uma das organizações que trabalharão no projeto,
explica que o Brasil interessa ao bilionário Bloomberg por estar
mergulhado em um paradoxo: apesar da extensa costa, tem mares pobres em
peixes.
– Em pouco tempo, a produção nacional não deve dar conta do consumo.
Só no ano passado, houve um crescimento de 50% da demanda – afirma
Márcia.