Nas imagens animadas das TSM do mês de maio, vemos a corrente quente do Brasil(em laranja) recuou para o Nordeste enquanto que a corrente fria das Malvinas(em azul) avançou pelo litoral chegando ao sul de São Paulo.
Embate econômico e ambiental
Ilha do Arvoredo, uma das duas únicas reservas biológicas
marinhas do Brasil, pode ter seu 'status' de conservação alterado para
parque nacional. Se aprovado, projeto de lei permitirá visitação e
mergulho recreativo, atividades hoje proibidas no local.
Por: Franciele Petry Schramm
Publicado em 08/05/2014
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Atualizado em 08/05/2014
Vista da ilha do Arvoredo, a maior do arquipélago que forma a
Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, em Santa Catarina. É a única da
categoria com remanescentes de mata atlântica no Brasil. (foto: João Paulo Cauduro Filho)
O conjunto de ilhas entre a baía de Zimbros, em Bombinhas (SC), e o norte de Florianópolis – mais conhecido como
Ilha do Arvoredo – ostenta um título quase exclusivo no Brasil: o de
Reserva Biológica Marinha (Rebiomar), a mais rígida categoria do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação. Uma das duas únicas Rebiomar do
país – a outra é o Atol das Rocas (RN) –, a Ilha do Arvoredo pode ter
sua categoria de conservação modificada. O Projeto de Lei 4.198/2012, de
autoria dos deputados federais catarinenses Esperidião Amin (PP) e
Rogério Mendonça (PMDB), prevê sua transformação em parque nacional. Se
aprovado, a visitação e o mergulho recreativo, proibidos no local, serão
permitidos. Mas a pesca continuará proibida.
O Arvoredo se tornou reserva biológica em 1990 por meio de um decreto do então presidente José Sarney. O deputado Amin acha que a decisão foi equivocada, por não ter sido antecedida de debate público. “Já naquela época todos queriam que a ilha fosse protegida, mas o status de parque nacional seria suficiente, pois o turismo, que nesse caso é permitido, traria renda para moradores da região”, defende Amin.
O projeto de lei de 2012, que deverá ser votado este ano na Câmara dos Deputados, não foi o primeiro a propor a mudança de categoria da reserva. Houve propostas similares em 1997 e 2001.
Do total da reserva, 98% são áreas marinhas. Tartarugas, estrelas-do-mar, cavalos-marinhos e caranguejos são alguns dos animais que vivem nas águas azuladas do local, o que lhe valeu a denominação ‘Pequena Amazônia azul’. Até agora foram catalogadas ali cerca de 1.400 espécies de animais marinhos e terrestres – 26 das quais sofrem algum tipo de ameaça.
O biólogo Paulo Horta, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conta que o lugar guarda potencialmente cerca de 30% da biodiversidade marinha das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Das 600 espécies de algas descritas no país, 150 podem ser encontradas no Arvoredo e seis são exclusivas do nosso território. Esses organismos, sensíveis a alterações ambientais, ajudam a manter a biodiversidade marinha, já que servem de refúgio para muitas espécies animais, algumas de importância econômica.
O encontro das correntes marinhas do Brasil e das Malvinas em região adjacente, o fenômeno da ressurgência (em que a água do fundo oceânico, fria e rica em plâncton, sobe à superfície) e a influência da pluma do rio da Prata contribuem para a diversidade da região. Esses fatores permitem o aparecimento de peixes e crustáceos de ambientes tropicais e de pinguins e baleias--francas, de clima subtropical. Ainda há grande variedade de peixes de valor comercial, como a garoupa.
A área próxima à Rebiomar está entre os melhores pontos de mergulho recreativo do país. A atividade foi proibida em 2000, dado o impacto negativo na biodiversidade, mas é permitida na face sul do Arvoredo, fora dos limites da reserva, que mantém um farol da Marinha e serve de abrigo para embarcações.
“Todos devem ter direito de visitar o local; ninguém gosta ou cuida do que não conhece.”
Segundo Amin, as operadoras de mergulho, que dependem da preservação da beleza do local, seriam aliadas contra a pesca ilegal. Turistas, ao conhecer e entender a importância do lugar, também agiriam como fiscais. “Teríamos como aliados um plano de manejo, com visitas controladas, e o aparato educacional.”
Pesquisas feitas em outros locais revelam os impactos da ação humana em áreas protegidas. Estudo (ainda não publicado) que compara a biomassa de peixes da Reserva Biológica do Atol das Rocas e do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha mostra que a biomassa é maior na reserva biológica. Está comprovado, segundo Horta, que a presença de mergulhadores e barcos e a poluição causada pela queima de combustíveis fósseis prejudicam seriamente os ecossistemas aquáticos.
O pesquisador da UFSC afirma que a quantidade de peixes da ilha do Arvoredo é maior que a de regiões próximas, fora da área de proteção. “A reserva, um refúgio para pescados, pode ser considerada uma unidade de produção”, diz Horta. “Isso garante a ocorrência de peixes em áreas adjacentes.”
Se a ilha virar parque, organismos sensíveis a alterações ambientais podem diminuir ou até desaparecer, segundo Horta, comprometendo a identificação de novas espécies ou a adequada exploração das já conhecidas. “O desenvolvimento de novos medicamentos, por exemplo, depende da descoberta de novas substâncias, que podem estar presentes nas muitas espécies que vivem no arquipélago.”
Além disso, ele acredita que a manutenção do status de reserva biológica deverá garantir às gerações futuras um ambiente de rara beleza e alta biodiversidade. Como alternativa econômica rentável para a região, ele aponta o investimento em biotecnologia. A criação e o uso de organismos vivos, como algas, na produção de novos bens é, segundo Horta, uma opção muito mais segura para a economia da região do que a transformação da área em local turístico.
Franciele Petry Schramm
Especial para Ciência Hoje/ PR
Texto originalmente publicado na CH 313 (abril de 2014). Clique aqui para acessar uma versão resumida da revista.
O Arvoredo se tornou reserva biológica em 1990 por meio de um decreto do então presidente José Sarney. O deputado Amin acha que a decisão foi equivocada, por não ter sido antecedida de debate público. “Já naquela época todos queriam que a ilha fosse protegida, mas o status de parque nacional seria suficiente, pois o turismo, que nesse caso é permitido, traria renda para moradores da região”, defende Amin.
Até agora, só 1,6% do território marinho
brasileiro está protegido em reservas e parques, porção ainda bem
distante dos 10% previstos para serem alcançados em 2020
Já ambientalistas e pesquisadores temem esse tipo de ação. Até agora,
só 1,6% do território marinho brasileiro está protegido em reservas e
parques, porção ainda bem distante dos 10% previstos para serem
alcançados em 2020, segundo compromisso assinado pelo Brasil na Convenção da Diversidade Biológica (Metas de Aichi), em 2010. Eles defendem a manutenção do status de
conservação de ambas as reservas por apresentarem ecossistemas únicos e
diferentes entre si, já que estão em latitudes consideravelmente
díspares. Preservar o conjunto de espécies que reúnem é, portanto, de
grande importância para a diversidade biológica marinha do país.O projeto de lei de 2012, que deverá ser votado este ano na Câmara dos Deputados, não foi o primeiro a propor a mudança de categoria da reserva. Houve propostas similares em 1997 e 2001.
Pequena Amazônia azul
Com área de cerca de 17 mil hectares, a reserva abriga as ilhas Arvoredo (que dá nome à Rebiomar), Galé e Deserta, e o rochedo Calhau de São Pedro. É a única da categoria com remanescentes de mata atlântica no Brasil e mais de 370 hectares de floresta preservada. Nas ilhas há também sítios arqueológicos, como sambaquis (montes formados pelo depósito de conchas) e inscrições rupestres.Do total da reserva, 98% são áreas marinhas. Tartarugas, estrelas-do-mar, cavalos-marinhos e caranguejos são alguns dos animais que vivem nas águas azuladas do local, o que lhe valeu a denominação ‘Pequena Amazônia azul’. Até agora foram catalogadas ali cerca de 1.400 espécies de animais marinhos e terrestres – 26 das quais sofrem algum tipo de ameaça.
O biólogo Paulo Horta, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conta que o lugar guarda potencialmente cerca de 30% da biodiversidade marinha das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Das 600 espécies de algas descritas no país, 150 podem ser encontradas no Arvoredo e seis são exclusivas do nosso território. Esses organismos, sensíveis a alterações ambientais, ajudam a manter a biodiversidade marinha, já que servem de refúgio para muitas espécies animais, algumas de importância econômica.
O encontro das correntes marinhas do Brasil e das Malvinas em região adjacente, o fenômeno da ressurgência (em que a água do fundo oceânico, fria e rica em plâncton, sobe à superfície) e a influência da pluma do rio da Prata contribuem para a diversidade da região. Esses fatores permitem o aparecimento de peixes e crustáceos de ambientes tropicais e de pinguins e baleias--francas, de clima subtropical. Ainda há grande variedade de peixes de valor comercial, como a garoupa.
A área próxima à Rebiomar está entre os melhores pontos de mergulho recreativo do país. A atividade foi proibida em 2000, dado o impacto negativo na biodiversidade, mas é permitida na face sul do Arvoredo, fora dos limites da reserva, que mantém um farol da Marinha e serve de abrigo para embarcações.
Gestão e fiscalização
Um argumento dos que defendem a mudança do status de conservação da reserva diz respeito à fiscalização. Segundo o deputado Amin, a área que deveria ser preservada sofre com a pesca ilegal. A proximidade da costa – pouco mais de 10 km – e o fato de ser considerada ‘inviolável’ atrairiam curiosos. Para o deputado, a transformação em parque seria então uma forma de democratizar o espaço.“Todos devem ter direito de visitar o local; ninguém gosta ou cuida do que não conhece.”
Segundo Amin, as operadoras de mergulho, que dependem da preservação da beleza do local, seriam aliadas contra a pesca ilegal. Turistas, ao conhecer e entender a importância do lugar, também agiriam como fiscais. “Teríamos como aliados um plano de manejo, com visitas controladas, e o aparato educacional.”
A fiscalização da reserva, embora constante, não é a ideal. Conta com apenas três embarcações e o apoio do Ibama e da Polícia Federal
Quem administra e fiscaliza a reserva é o Instituto Chico Mendes de
Conservação Ambiental (ICMBio). Seu chefe, Ricardo Castelli, diz que a
fiscalização, embora constante, não é a ideal. Conta com
apenas três embarcações e o apoio do Ibama e da Polícia Federal.
Segundo Castelli, planeja-se instalar internet e, em pontos estratégicos
da ilha, câmeras de vigilância, além de uma base do instituto no local.
Castelli acredita que a transformação da reserva em parque nacional não
resolveria as deficiências de fiscalização. Tanto as operadoras de
mergulho quanto os visitantes teriam que ser monitorados, tornando a
vigilância mais complexa e onerosa.Riscos
Para Paulo Horta, a transformação em parque nacional seria ruim nos aspectos econômico e ambiental. A mudança, a seu ver, enfraqueceria os esforços de conservação e causaria perda de biodiversidade. “Os municípios da região não têm estrutura sanitária para atender grande número de turistas. Em alguns, o esgoto é lançado no oceano, prejudicando o ecossistema marinho. O aumento do movimento na região só agravaria a situação”, alega.Pesquisas feitas em outros locais revelam os impactos da ação humana em áreas protegidas. Estudo (ainda não publicado) que compara a biomassa de peixes da Reserva Biológica do Atol das Rocas e do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha mostra que a biomassa é maior na reserva biológica. Está comprovado, segundo Horta, que a presença de mergulhadores e barcos e a poluição causada pela queima de combustíveis fósseis prejudicam seriamente os ecossistemas aquáticos.
O pesquisador da UFSC afirma que a quantidade de peixes da ilha do Arvoredo é maior que a de regiões próximas, fora da área de proteção. “A reserva, um refúgio para pescados, pode ser considerada uma unidade de produção”, diz Horta. “Isso garante a ocorrência de peixes em áreas adjacentes.”
Se a ilha virar parque, organismos sensíveis a alterações ambientais podem diminuir ou até desaparecer, segundo Horta, comprometendo a identificação de novas espécies ou a adequada exploração das já conhecidas. “O desenvolvimento de novos medicamentos, por exemplo, depende da descoberta de novas substâncias, que podem estar presentes nas muitas espécies que vivem no arquipélago.”
Além disso, ele acredita que a manutenção do status de reserva biológica deverá garantir às gerações futuras um ambiente de rara beleza e alta biodiversidade. Como alternativa econômica rentável para a região, ele aponta o investimento em biotecnologia. A criação e o uso de organismos vivos, como algas, na produção de novos bens é, segundo Horta, uma opção muito mais segura para a economia da região do que a transformação da área em local turístico.
Franciele Petry Schramm
Especial para Ciência Hoje/ PR
Texto originalmente publicado na CH 313 (abril de 2014). Clique aqui para acessar uma versão resumida da revista.
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