Diversidade de espécies que habitam Antártica está em perigo devido ao recuo das geleiras (Foto: Reuters)
A grande diversidade de espécies marítimas que habita a península
antártica está em perigo devido ao aquecimento global e à ação dos
homens, segundo uma pesquisa de cientistas argentinos.
As substâncias liberadas na atmosfera pelas atividades industriais e
agropecuárias no mundo todo terminam, pela própria ação da natureza, nas
regiões polares e provocam um aumento nas temperaturas da área.
Esse é um dos fenômenos que contribuiu para transformar a península
antártica no ponto austral onde as temperaturas se elevaram com maior
rapidez nos últimos 50 anos, o que ainda intriga os analistas.
"Isso se vê acelerado por oscilações anualizadas associadas ao fenômeno
do El Niño e à mudança dos centros de alta e baixa pressão que ocorre
no Atlântico Sul, motivo pelo qual os ventos predominantes foram do mar,
que tem maior temperatura, ao continente", explicou à Agência EFE o
pesquisador Ricardo Sahade, do Instituto Antártico Argentino.
Essas mudanças profundas, somadas à atividade nas bases instaladas no
continente gelado, afetaram o ecossistema, sobretudo o meio submarino
bentônico, ou seja, a vida que habita o leito do mar.
Professor da Universidade Nacional de Córdoba e pesquisador do Conselho
Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET), Sahade integra
uma equipe de especialistas que se dedica, desde 1994, a estudar na
enseada Potter, da base argentina Carlini, as consequências do
aquecimento global nessas comunidades submarinas.
"90% das geleiras da península retrocede e na enseada Potter foi muito
evidente. Há uma geleira que, em 1996, terminava no mar e agora
retrocedeu ao ponto de deixar uma nova ilha descoberta", acrescentou.
Esse retrocesso causou a entrada de sedimentos da terra no mar, o que
dificulta a alimentação das espécies bentônicas que se nutrem de filtrar
partículas de água.
"Aí vimos grandes mudanças nessas comunidades em um tempo muito curto, o que era absolutamente inesperado", ressaltou Sahade.
As espécies que mais sofreram as consequências foram as ascídias,
conhecidas como "batatas do mar", embora também tenham sido afetadas as
esponjas, os corais e algumas algas marinhas.
"É a primeira mudança que se observa desta magnitude pela mudança
climática", especificou o pesquisador argentino, que admitiu que o maior
conhecimento do impacto na vida animal se observa nos arredores das
bases.
"Os fiordes, como o espaço analisado na enseada Potter, praticamente
não foram estudados e o que estamos vendo é que isso pode estar
ocorrendo ao longo de toda a península", disse.
Além disso, os cientistas tentam esclarecer as incógnitas sobre a ilha
recém descoberta após o retrocesso da geleira, que apareceu cheia de
microorganismos.
Os cientistas se perguntam se esses microorganismos já viviam sob o
gelo ou se desenvolveram nos seis anos que demoraram desde que a geleira
deixou descoberta o lugar até que tomaram as mostras para analisar.
"Na Antártida, todos os processos biológicos, como a colonização, são
muito lentos" e qualquer das duas opções tem desconcertados os
especialistas, acrescentou Sahade. "Este lugar sempre nos traz
surpresas", concluiu o cientista.
brasil247.com/pt
Sonho de gelo: Água de iceberg, dos polos ao equador
Levar um iceberg para abastecer regiões áridas
da Terra já não é um sonho impossível. Um engenheiro francês e a
tecnologia 3D mostram como isso pode ser feito
10 de Abril de 2014 às 11:53
Um
rebocador puxa um imenso iceberg. A longa viagem o levará das águas
frias do Ártico até algum ponto quente e desértico na zona do Equador.
Por: Equipe Oásis
O aquecimento global tem levado um número cada vez maior de icebergs a
desprender-se da Groenlândia e da Antártida e rumar para águas mais
quentes, atrapalhando a navegação até desfazer-se no oceano. Enquanto
isso, mais de 1,1 bilhão de pessoas sofrem com a escassez de água
potável no mundo e 2,5 bilhões não têm acesso a sistemas de purificação
de água. A ideia parece inevitável: não seria possível conduzir
icebergs, com sua água puríssima, às regiões áridas do planeta? Até
alguns anos atrás, quase ninguém levaria a proposta a sério. Mas a
moderníssima tecnologia 3D pode ter mudado essa avaliação.
O principal responsável por essa revisão de conceito é um engenheiro
francês, Georges Mougin, autor do Project Iceberg, o qual já executou
todos os cálculos teóricos necessários à concretização da façanha. Ainda
nos anos 1970, ele fazia parte de uma equipe convocada pelo príncipe
Mohammad al-Faisal, da Arábia Saudita, para tornar realidade o projeto
“Iceberg Transport International” – um plano de envolver um iceberg de
100 milhões de toneladas em lona e plástico e levá-lo das regiões
árticas ao Mar Vermelho. As imensas dificuldades previstas para a
execução do trabalho e o custo mínimo de US$ 100 milhões assustaram até
mesmo os megamilionários sauditas e o projeto não foi adiante, mas
Mougin não descartou a ideia e continuou em contato com glaciologistas,
oceanógrafos e meteorologistas. Agora, cerca de três décadas e meia
depois, o engenheiro – aos 88 anos de idade – já tem meios de provar que
a empreitada pode ser realizada.
No
projeto de Mougin, um rebocador arrasta o iceberg através dos oceanos
até o seu destino. Um iceberg contem milhões de litros de água doce
(Ilustração)
Simulação virtual
Um programa de tevê mostrou o novo caminho a Mougin. Nele, um
arquiteto explicava uma teoria sobre a construção das pirâmides egípcias
com o auxílio de um programa da empresa de design francesa Dassault
Systémes, especializada na elaboração de sofisticadas simulações em 3D.
Mougin procurou então a companhia e fez contato com o diretor de
projetos Cédric Simard. Conquistado pela ideia, Simard pôs sua equipe a
reunir dados e a preparar uma simulação virtual solidamente fincada no
mundo real.
Havia diversos fatores a considerar: o abastecimento do barco
encarregado do trabalho, a taxa de derretimento do iceberg, as condições
específicas do oceano – ventos, correntes marinhas, ondas, redemoinhos e
por aí afora. Esses complicadores exigiram cerca de dois anos de Mougin
e da equipe da Dassault Systèmes, mas o sucesso veio, enfim, no
primeiro semestre deste ano. A partir de seus estudos para preparar as
simulações tridimensionais, eles estabeleceram um roteiro para rebocar
icebergs:
Um
iceberg têm mais de 80% da sua massa submersa. Apenas uma pequena parte
dele permanece acima da superfície. Na imagem, a baleia serve para a
comparação dos tamanhos.
1) Há uma estação do ano mais adequada para capturar icebergs. Um glaciologista pode ajudar o interessado a identificá-la.
2) O iceberg não pode ser muito grande nem muito pequeno. Também
deve ser do tipo tabular (plano na parte de cima), que apresenta risco
mínimo de fratura e é mais fácil de rebocar.
3) O iceberg escolhido deve receber ao seu redor uma espécie de
cinto de geotêxtil (manta não tecida de filamentos de polipropileno),
tensionado com o auxílio de uma série de estacas fixadas no gelo.
Estendendo-se por seis metros acima do nível da água e por outros seis
metros abaixo dela, o cinto defende o iceberg de ondas que podem
corroê-lo.
Mougin, à direita, sobrevoa de helicóptero uma região da Groenlândia conhecida por ser grande produtora de icebergs
4) Ainda buscando preservar ao máximo o iceberg, ele deve ser
envolvido por uma “saia” de geotêxtil. Mougin e a equipe da Dassault
Systèmes calcularam que o ideal é que essa saia tenha 160 metros de
altura, “vestindo” basicamente a parte submersa do iceberg. (Como a
parte emersa representa apenas cerca de 10% do iceberg e tem grande
capacidade de reflexão da luz solar, sua perda de gelo é pequena.) As
correntes oceânicas aplainam a superfície do iceberg, o que torna pouco
provável que a saia seja rasgada.
5) Sozinho, um rebocador nunca conseguiria puxar um iceberg. A
estratégia de Mougin e seus colegas é facilitar a tarefa com o auxílio
das correntes marinhas, de dados coletados por satélite e de previsões
meteorológicas. Como lembrou Simard em uma entrevista, vistos pelas
câmeras de um satélite, os oceanos parecem um “grande mapa de saliências
e buracos”. Para ser bem-sucedido, o rebocador, tal qual um esquiador,
teria de escolher bem sua trajetória diante desses obstáculos.
As paredes emersas desse iceberg têm cerca de 80 metros de altura
Na primeira tentativa de simulação com os dados básicos reunidos – um
iceberg capturado na costa da Terra Nova (leste do Canadá) e destinado
às Ilhas Canárias, na costa noroeste da África –, o rebocador ficou
semanas num redemoinho e sua carga derreteu por completo. Mougin e seus
colegas decidiram experimentar mudar em algumas semanas a data de início
do transporte, e bastou essa alteração para tudo dar certo.
O sucesso fez a experiência ser transformada em um documentário,
levado ao ar pela tevê francesa em maio de 2011. Animado com a
repercussão obtida, Mougin pôs-se a trabalhar para concretizar esse
sonho. O preço comentado – o transporte de um iceberg de 7 milhões de
toneladas custaria cerca de US$ 10 milhões – pode viabilizar
comercialmente a operação, sobretudo em regiões ricas e secas.
Os preparativos para rebocar um mini-iceberg por uma pequena
distância já estão sendo tomados, e uma jornada completa de transporte
poderá ocorrer ainda nos próximos anos.