Rico em combustíveis fósseis, país-sede do debate mundial sobre as
mudanças climáticas não é um bom exemplo de sustentabilidade. Em nenhuma
outra parte do planeta a emissão de CO2 por habitante é tão alta como
no Catar.
Começou nesta segunda-feira (26/11), em Doha, a 18ª Conferência das
Partes da Convenção-Quadro sobre as Mudanças Climáticas (COP-18), com
representantes de quase 200 países.
Durante duas semanas, líderes mundiais vão debater acordos para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa e barrar o aquecimento do planeta. As negociações vão estabelecer os detalhes de um tratado a ser assinado em 2015, para entrar em vigor em 2020.
"Este é o momento crucial nas negociações sobre as mudanças climáticas", disse o vice-premiê e ministro da Energia do Catar, Abdullah bin Hamad Al-Attiyah, na abertura do evento. "Diante de nós, nos próximos dias, está uma oportunidade de ouro. E nós temos que aproveitá-la."
Parece, mas não é
"Catar quer ser a capital da bicicleta", "Energia solar alimenta o centro de convenções": quando se lê notícias como essas, tem-se a impressão de que o Catar está à frente do movimento ambiental na região do Golfo Pérsico. No entanto, tais artigos devem ser lidos com cautela: eles se encontram no site de apresentação de Doha como anfitriã da COP-18.
Na realidade, segundo Guido Steinberg, especialista em Oriente Médio do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP), "a proteção ambiental não tem a mínima importância para a política catariana". Opinião compartilhada por Wael Hmaidan, diretor da Climate Action Network, uma rede internacional sediada no Líbano, reunindo diversas organizações ambientais. "As mudanças climáticas não constavam da agenda política, até o Catar decidir sediar a Conferência do Clima deste ano", acusa Hmaidan.
De forma rotativa, o papel de anfitrião da Conferência do Clima é conferido anualmente a um dos cinco grupos não oficiais das Nações Unidas: o africano, o pacífico-asiático, o europeu oriental, o latino-americano ou o grupo europeu ocidental.
Após a sul-africana Durban no ano passado, caberia agora à Ásia a vez de sediar a conferência. Mas, durante as negociações, o Catar conseguiu prevalecer sobre a Coreia do Sul, a qual, em contrapartida, sediou alguns encontros de preparação da Conferência do Clima deste ano.
"Trata-se de um clima muito árido, onde tudo é climatizado e refrigerado", explicou Hmaidan à DW. "O país enriqueceu muito e muito rapidamente, e seu novo estilo de vida é extremamente ineficiente, em termos de consumo energético." Devido à falta de transporte público, a maioria da população usa carros particulares. Quase não existem ONGs ambientais nos moldes ocidentais, que possam pressionar o governo a uma maior proteção do meio ambiente.
Segundo dados do Banco Mundial, no ano passado Catar teve a terceira maior renda per capita do mundo, depois de Luxemburgo e Noruega, com um crescimento econômico de cerca de 19%. O Estado do Golfo deve sua riqueza principalmente às reservas de petróleo e gás. Ao lado do Irã e da Rússia, o Catar detém as maiores reservas de gás natural do mundo, e é um dos maiores produtores de combustível fóssil.
Anfitrião a qualquer preço
Por esse motivo, Guido Steinberg considera a escolha do local da conferência como "problemática". E ele não está sozinho. Falando à DW Sven Harmeling, da organização ambiental Germanwatch, relata: "No início, quando a escolha recaiu sobre Doha, havia dois pontos de vista. Ou se achava ruim, pelo medo de um Estado petrolífero dirigir as negociações, ou se achava bom, por se acreditar que poderia levar a verdadeiras mudanças na região".
Ambientalistas acreditam que o Catar poderia aumentar significativamente sua credibilidade como presidente da COP-18, caso se comprometesse a reduzir parcialmente as próprias emissões de CO2. Até agora, todavia, Doha não tomou qualquer iniciativa nessa direção. Em conferências do clima passadas, o país também não esteve representado por políticos do primeiro escalão, tampouco desenvolveu posições próprias, aponta Hmaidan.
Há segundas intenções por trás de tamanha atividade, afirma Guido Steinberg. "O Catar é um Estado muito, muito pequeno, repetidamente ameaçado por seus vizinhos. Os catarianos têm medo do Irã, com quem dividem gigantescas reservas de gás; eles também se preocupam que os sauditas queiram novamente incorporá-los ao seu território." A concentração de todos esses eventos no país serve sobretudo para despertar o interesse mundial no próprio Estado e na sua preservação.
Interesse no sucesso da conferência
Por isso, os ambientalistas esperam que o país lidere com sucesso as negociações. "O Catar quer se perfilar como agente importante na política mundial e, para tal, precisa zelar pelo êxito desta Conferência do Clima", ressalva Wael Hmaidan.
O diretor da Climate Action Network pode estar certo: num estudo recente sobre a evolução dos mercados globais de energia, a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que, nos próximos 20 anos, o gás natural será o único combustível fóssil cuja demanda irá aumentar.
Autora: Andrea Rönsberg (ca)
Revisão: Augusto Valente
Durante duas semanas, líderes mundiais vão debater acordos para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa e barrar o aquecimento do planeta. As negociações vão estabelecer os detalhes de um tratado a ser assinado em 2015, para entrar em vigor em 2020.
"Este é o momento crucial nas negociações sobre as mudanças climáticas", disse o vice-premiê e ministro da Energia do Catar, Abdullah bin Hamad Al-Attiyah, na abertura do evento. "Diante de nós, nos próximos dias, está uma oportunidade de ouro. E nós temos que aproveitá-la."
Vice-premiê Abdullah bin Hamad Al-Attiyah abriu a COP-18
Pela primeira vez, a Conferência do Clima é realizada em um país do
Golfo Pérsico. Grande produtor de petróleo e gás, o Catar tem a maior
emissão de CO2 per capita do mundo, mas tenta passar uma imagem
ecológica.Parece, mas não é
"Catar quer ser a capital da bicicleta", "Energia solar alimenta o centro de convenções": quando se lê notícias como essas, tem-se a impressão de que o Catar está à frente do movimento ambiental na região do Golfo Pérsico. No entanto, tais artigos devem ser lidos com cautela: eles se encontram no site de apresentação de Doha como anfitriã da COP-18.
Na realidade, segundo Guido Steinberg, especialista em Oriente Médio do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP), "a proteção ambiental não tem a mínima importância para a política catariana". Opinião compartilhada por Wael Hmaidan, diretor da Climate Action Network, uma rede internacional sediada no Líbano, reunindo diversas organizações ambientais. "As mudanças climáticas não constavam da agenda política, até o Catar decidir sediar a Conferência do Clima deste ano", acusa Hmaidan.
Infográfico com fatos sobre o Catar
Ar-condicionado em vez de mudanças climáticasDe forma rotativa, o papel de anfitrião da Conferência do Clima é conferido anualmente a um dos cinco grupos não oficiais das Nações Unidas: o africano, o pacífico-asiático, o europeu oriental, o latino-americano ou o grupo europeu ocidental.
Após a sul-africana Durban no ano passado, caberia agora à Ásia a vez de sediar a conferência. Mas, durante as negociações, o Catar conseguiu prevalecer sobre a Coreia do Sul, a qual, em contrapartida, sediou alguns encontros de preparação da Conferência do Clima deste ano.
Guido Steinberg: "Catar quer se destacar internacionalmente"
Doha não parece ser predestinada para o papel de anfitriã de uma
conferência do clima. O Catar tem a maior cota de CO2 por habitante no
mundo. O que não é de admirar, já que, no verão, as temperaturas no país
chegam a 50ºC."Trata-se de um clima muito árido, onde tudo é climatizado e refrigerado", explicou Hmaidan à DW. "O país enriqueceu muito e muito rapidamente, e seu novo estilo de vida é extremamente ineficiente, em termos de consumo energético." Devido à falta de transporte público, a maioria da população usa carros particulares. Quase não existem ONGs ambientais nos moldes ocidentais, que possam pressionar o governo a uma maior proteção do meio ambiente.
Segundo dados do Banco Mundial, no ano passado Catar teve a terceira maior renda per capita do mundo, depois de Luxemburgo e Noruega, com um crescimento econômico de cerca de 19%. O Estado do Golfo deve sua riqueza principalmente às reservas de petróleo e gás. Ao lado do Irã e da Rússia, o Catar detém as maiores reservas de gás natural do mundo, e é um dos maiores produtores de combustível fóssil.
Anfitrião a qualquer preço
Por esse motivo, Guido Steinberg considera a escolha do local da conferência como "problemática". E ele não está sozinho. Falando à DW Sven Harmeling, da organização ambiental Germanwatch, relata: "No início, quando a escolha recaiu sobre Doha, havia dois pontos de vista. Ou se achava ruim, pelo medo de um Estado petrolífero dirigir as negociações, ou se achava bom, por se acreditar que poderia levar a verdadeiras mudanças na região".
Ambientalistas acreditam que o Catar poderia aumentar significativamente sua credibilidade como presidente da COP-18, caso se comprometesse a reduzir parcialmente as próprias emissões de CO2. Até agora, todavia, Doha não tomou qualquer iniciativa nessa direção. Em conferências do clima passadas, o país também não esteve representado por políticos do primeiro escalão, tampouco desenvolveu posições próprias, aponta Hmaidan.
Gás natural responde por riqueza do país no Golfo Pérsico
Provavelmente apenas uma pequena parcela do interesse catariano em
sediar a Conferência do Clima se deve ao tema do encontro, propriamente
dito. Nos últimos anos, o país esforçou-se, com bastante sucesso, em
organizar conferências e eventos internacionais, sendo o exemplo mais
conhecido a Copa do Mundo de Futebol de 2022.Há segundas intenções por trás de tamanha atividade, afirma Guido Steinberg. "O Catar é um Estado muito, muito pequeno, repetidamente ameaçado por seus vizinhos. Os catarianos têm medo do Irã, com quem dividem gigantescas reservas de gás; eles também se preocupam que os sauditas queiram novamente incorporá-los ao seu território." A concentração de todos esses eventos no país serve sobretudo para despertar o interesse mundial no próprio Estado e na sua preservação.
Interesse no sucesso da conferência
Por isso, os ambientalistas esperam que o país lidere com sucesso as negociações. "O Catar quer se perfilar como agente importante na política mundial e, para tal, precisa zelar pelo êxito desta Conferência do Clima", ressalva Wael Hmaidan.
Wael Hmaidan dirige a Climate Action Network
Além disso, como exportador de gás natural, o país também tem
bastante interesse econômico na proteção climática, acrescenta Hmaidan.
"Se outros países decidirem reduzir rapidamente suas emissões de CO2, e a
disponibilidade imediata de energia renovável não for suficiente, então
pela primeira vez haverá uma demanda menor de carvão e maior de gás
natural, já que este produz 40% a menos emissões do que o carvão e ainda
é o mais limpo entre os combustíveis fósseis."O diretor da Climate Action Network pode estar certo: num estudo recente sobre a evolução dos mercados globais de energia, a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que, nos próximos 20 anos, o gás natural será o único combustível fóssil cuja demanda irá aumentar.
Autora: Andrea Rönsberg (ca)
Revisão: Augusto Valente
Nenhum comentário:
Postar um comentário