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domingo, 21 de abril de 2013

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

DIÃRIO DO NORDESTE
Entrevista

´As mudanças climáticas tornarão as secas futuras mais severas´

05.04.2013
O economista Antonio Rocha Magalhães  diz que é preciso haver mais conscientização da sociedade para pressionar o governo a assumir compromissos de sustentabilidade
Em que nível o aumento da temperatura da Terra pode impactar no processo de desertificação do Semiárido?
De acordo com os estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), todas as regiões serão afetadas, mas as terras secas serão mais atingidas proporcionalmente, pelo fato de serem mais vulneráveis, sob os aspectos ambientais, econômicos e, sobretudo, sociais. A pobreza extrema, no Planeta, assim como no Brasil, se concentra nas áreas secas. As regiões semiáridas, como o sertão do Nordeste, já se encontram no limite do clima e sofrem com as secas periódicas. Qualquer variação do clima as afeta. Mesmo pequenas mudanças climáticas, que alteram o padrão da variabilidade normal e das secas, atingem mais profundamente essas regiões, acarretando redução na produção agrícola, perdas de rebanhos, aumento da pobreza e desertificação.

Mas este não é o principal motivador do processo de desertificação...
Este processo é causado primordialmente pelas atividades humanas, iniciando com o desmatamento, que deixa o solo descoberto, causando erosão, perda de biodiversidade, ressecamento das fontes de água, redução na produtividade agrícola e desertificação. Esse processo é reforçado pelas variações climáticas, que impõem um estresse rigoroso, levando à mortandade das plantas e dos animais. Não fora pelas ações humanas insustentáveis, o ecossistema resistiria às secas graves, como fez por milênios.

Segundo o presidente do Comitê de Ciência e Tecnologia da Convenção das Nações Unidas sobre combate à desertificação (CST/UNCCD), o problema de degradação e desertificação da terra vem aumentando, em vez de diminuir FOTO: KID JÚNIOR
Como o senhor avalia a evolução da convivência com as adversidades climáticas a partir da criação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas?No Nordeste, há uma experiência de um século e meio em políticas de convivência com as secas. A criação da Ifocs, que depois virou Dnocs, foi um momento muito importante dessa política. Ninguém pode negar o papel desempenhado pelo Dnocs ao longo de sua história, assim como ninguém também pode negar o enfraquecimento das instituições que tratam das questões do Semiárido e do Nordeste, ao longo dos últimos anos e até décadas. De qualquer forma, o Brasil acumulou uma experiência valiosa para convivência com o Semiárido. Essa experiência pode ser muito importante, não apenas para melhorar a forma como lidamos com as atuais secas, como também em relação às secas futuras, as quais, por causa das mudanças climáticas, tendem a ser ainda mais severas.

A Convenção da Desertificação foi um dos documentos da Rio 92. Qual foi o impacto dela?
A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação teve sua origem nos estudos da Icid - a primeira Conferência sobre Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Semiáridas, realizada em Fortaleza em 1992. Foi com base nesses estudos que a Rio 92 aprovou a proposição de criação da Convenção da ONU sobre Desertificação. Assinada em 1994, desde então, tem contribuído para aumentar o nível de conscientização mundial sobre os problemas da degradação de terras e da desertificação, para o fortalecimento de instituições e para a mobilização entre os países. No entanto, o que está claro é que essa convenção não conseguiu empolgar muito os países. Da mesma forma que acontece no Brasil, onde os problemas do Semiárido são relegados, também acontece em relação a outros países que contêm regiões secas, em particular países pobres da África, América Latina e Ásia. Faltam recursos e compromissos políticos provavelmente porque esses locais concentram maior nível de pobreza e menor poder político e econômico.

O que mudou duas décadas depois, com a Rio+20?
Dois anos antes da Rio+20, foi realizada a Segunda Icid em Fortaleza, a Icid+18, que mais uma vez deu um balanço nos estudos e nas proposições sobre os problemas e potencialidades das terras secas, em particular as regiões semiáridas. Os resultados da Icid+18 foram levados à Rio+20 e a outros fóruns mundiais, para destacar a realidade das regiões secas. O documento final da Rio+20, "O Futuro que Queremos", incluiu a questão da degradação, da desertificação e da pobreza nas terras secas, como proposto pela Icid+18, pela Convenção sobre Desertificação (UNCCD) e por outras instituições. Do ponto de vista institucional, muitas coisas mudaram desde 1992. Há mais instituições, mais pesquisa, mais conhecimento. Do ponto de vista prático, entretanto, os resultados são menos animadores. Os problemas de degradação de terras e desertificação vêm aumentando, em vez de diminuir. A Convenção de Combate à Desertificação não atrai muito apoio e é considerada como menos importante que suas irmãs do Rio, as Convenções de Mudanças Climáticas e de Biodiversidade. O tema não atrai muito apoio nem no Brasil nem nos países mais desenvolvidos. No entanto, trata-se, provavelmente, do tema mais importante do ponto de vista do desenvolvimento, já que as terras secas correspondem a 40% das terras do Planeta e abrigam um terço da população mundial e mais da metade das populações mais pobres. No Nordeste, são 22 milhões de habitantes vivendo no Semiárido, muitos em grande pobreza.

Que tipo de perspectiva se desenha para o cenário de desertificação agora?
As mudanças climáticas reforçam os fatores que podem agravar ainda mais a desertificação. Porém, o problema pode ser parado, ou mesmo revertido. Na Rio+20, foi aprovada a meta de degradação neutra, isto é, mesmo que a degradação e a desertificação aumentem em alguns lugares, deveria haver recuperação em outros, de modo que o efeito geral fosse neutro.

Em que os governos do nosso Semiárido devem investir para conter o avanço da desertificação?
Em primeiro lugar, é preciso haver maior conscientização na sociedade, porque os governos refletem o que a sociedade quer. Os governos pensam no curto prazo, nas próximas eleições. Eles só vão assumir compromissos de sustentabilidade se descobrirem que isso vai ajudar a conseguir mais votos nas próximas eleições. Claro que, de tempos em tempos, surgem governantes que pensam além do seu tempo, que são capazes de ver mais que os outros e de tomarem decisões considerando o futuro. São estadistas, enfim. Mas esses são raros. Será necessário aumentar o esforço de estudos, pesquisas, geração de informações e divulgação do conhecimento. A imprensa, a academia, a sociedade civil e, evidentemente, o governo, todos podem ter um papel importante. Precisamos contabilizar as lições das experiências nossas e de outros, e nos colocar de acordo em estratégias de desenvolvimento sustentável que incluam a preservação ambiental e a proteção social como pilares fundamentais, ao lado da segurança econômica.

Que tipo de experiências já existentes o senhor citaria como dignas de incentivo?
Há muitas experiências interessantes, e citar algumas não significa excluir outras. Além disso, as experiências devem ser aplicadas nos locais adequados, sendo que umas são válidas em alguns lugares e contextos, mas não em outros. Por exemplo, a experiência de recuperação de áreas degradadas e combate à desertificação no Projeto de Desenvolvimento Hidroambiental (Prodham), no Ceará, é muito interessante e pode ser replicada em lugares semelhantes. Numa escala maior, o gerenciamento integrado dos recursos hídricos, uma outra experiência bem-sucedida no Ceará, incluindo o papel da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), é fundamental. Há projetos grandes e pequenos, e eles não se excluem. Devemos evitar as opiniões maniqueístas, que advogam fazer isso ou isso, e não isso e isso. Por exemplo, cisternas fazem parte da solução, mas elas não são "a solução". Há conflitos que precisam ser resolvidos, como gerar renda e parar o processo de degradação. Há muitas famílias pobres cuja renda depende de desmatar, de fazer carvão, de vender lenha. Isso é insustentável, e requer que se busquem alternativas, como a plantação de florestas energéticas.

Em que a 2ª Conferência Científica da ONU sobre Combate à Desertificação (UNCCD) pode contribuir ?
Essa conferência será muito importante, porque reunirá cientistas, pesquisadores e delegações de todos os países para discutir as alternativas econômicas para o desenvolvimento sustentável das regiões secas. Ela será seguida, dentro de dois anos, de uma terceira Conferência que se centrará na discussão de soluções, com base em experiências mundiais e locais. Os resultados serão divulgados e, espera-se, influenciarão as políticas internacionais, nacionais e locais sobre o desenvolvimento sustentável nas regiões secas e sobre a reversão dos processos de desertificação. Essa conferência será reforçada com os resultados de outros eventos, como o Encontro de Alto Nível sobre Políticas sobre Secas, promovida pela Organização Meteorológica Mundial e a Convenção de Combate à Desertificação, em Genebra (de 11 a 15 de março), com apoio do Ministério da Integração Nacional.

O senhor viajou recentemente pelo sertão para ver o quadro da seca. O que mais o impressionou?
Entre 26 de fevereiro e 1 de março, fiz uma viagem ao sertão. Em resumo, os impactos da seca de 2012 foram catastróficos para a agricultura, para a pecuária e para o abastecimento de água. Em Tauá, a seca praticamente dizimou a atividade agrícola. Em todos os lugares, lamentamos observar a mortandade dos rebanhos. Observamos que os municípios que contam com fonte de água garantida, como os do Vale do Jaguaribe, procuram soluções baseadas no aproveitamento dessas águas. Entretanto, os efeitos devastadores da seca se observam a poucos quilômetros dos reservatórios e rios perenizados. Voltamos muito preocupados. Vamos precisar de uma grande mobilização para reduzir os sérios impactos de mais uma seca severa no Ceará e no Nordeste.

FIQUE POR DENTRO

Desenvolvimento Regional Sustentável

Antonio Rocha Magalhães nasceu em Canindé (CE). É economista (UFC) e doutor em Economia (USP). Dedicou-se ao estudo e ao trabalho na área de Desenvolvimento Regional e Desenvolvimento Sustentável, com foco no Nordeste brasileiro. Trabalhou no BNB, no Ipea, foi secretário de Planejamento do Estado do Ceará e secretário executivo (vice-ministro) do Ministério do Planejamento. Ensinou Economia na UFC e Políticas Públicas na Universidade do Texas, em Austin (EUA). Foi oficial principal do Banco Mundial no Brasil. É membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).

É também autor e editor de vários livros e artigos, sobre diversos assuntos, especialmente sobre Desenvolvimento Regional, Desenvolvimento Sustentável e Impactos Climáticos. Em 1992, organizou, em Fortaleza, a I Conferência Internacional sobre Impacto de Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Semiáridas (Icid), com 1.200 participantes de 45 países, uma contribuição para a Rio 92. Dirigiu o Projeto Áridas - Uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável para o Nordeste do Brasil.

Em 2010, organizou a Segunda Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (Icid+18). Hoje é presidente do Comitê de Ciência e Tecnologia da Convenção das Nações Unidas sobre Combate à Desertificação (CST/UNCCD) e assessor sênior do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) sobre temas ligados às regiões semiáridas. Em 2012 e 2013, coordenou o Grupo de Trabalho Científico do Encontro de Alto Nível sobre Políticas Nacionais de Secas (HMNDP).

MARISTELA CRISPIM
EDITORA





atualizado às 17h09

Pesquisadores tentam salvar o café das mudanças climáticas

O Brasil é o maior produtor de café do mundo, responsável por 25% da produção mundial. Mas isso pode mudar com as alterações no clima previstas por pesquisadores

Com um quarto da produção mundial, o Brasil é o maior produtor e exportador de café do planeta, e o consumo da bebida aumenta cada vez mais. Segundo o IBGE, a estimativa para o ano de 2013 no Brasil é de colher 47,8 milhões de sacas de 60kg de café, mais de 2 milhões de toneladas.


No entanto, pesquisadores afirmam que as alterações no clima podem influenciar na produção do grão. Especialmente o café do tipo arábica, sensível a altas temperaturas, pode ter a produção seriamente prejudicada. Para evitar problemas no futuro, pesquisadores fazem simulações e tentam achar uma maneira de manter o cultivo, mesmo em situações adversas.


Previsões pessimistas
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) estima que as temperaturas ao redor do globo podem subir de 1,8ºC a 4ºC até o final do século 21. O que, segundo especialistas, apresenta sérios desafios para a indústria cafeeira nas próximas décadas.


No Brasil, o tipo café mais ameaçado é o arábica, que representa 73% do grão colhido no país. A temperatura ideal para este tipo de café é de 18ºC a 22ºC. De acordo com o professor Hilton Silveira Pinto, pesquisador e professor da Unicamp, o aumento de 1ºC na temperatura já implicaria na perda de cerca de 25% da produção.


Isso porque se durante o florescimento das árvores houver um único dia de temperatura acima de 23ºC, a perda de flores é significativa. O professor comenta ainda que, nos últimos anos, em algumas regiões como São Paulo, foram registrados até 10 dias com temperaturas acima de 23ºC no período de setembro a outubro.


Pinto explica que, numa previsão mais pessimista e extrema, em que o aumento da temperatura fosse de 3ºC – o que aconteceria entre 2030 e 2040 –, a queda na produção de café poderia chegar a 30 milhões de sacas. O que significaria uma quebra de safra de 90%, ou seja, 10,6 milhões de hectares de café a menos.


Atualmente são produzidos cerca de 2 milhões de toneladas de café por ano. Com o aumento de 1ºC, esse número cairia para 1,54 milhão. Com 3ºC a mais, a produção seria de apenas 840 mil toneladas por ano. E num caso crítico, com 5,8ºC de aumento na temperatura, a produção cairia para 160 mil toneladas.


Soluções encontradas
Para fugir das altas temperaturas, a solução encontrada pelos especialistas é ganhar altitude. Pinto diz que já se está perdendo café nas áreas mais baixas de Minas Gerais e São Paulo. No entanto, o Paraná está ganhando áreas para os cafezais, já que, com o aquecimento, em muitas regiões altas praticamente não há mais geadas.


O pesquisador explica que as plantações são feitas agora em áreas acima de 650 metros, com temperaturas mais amenas, o que favorece também a qualidade do café.


De acordo com o professor, em uma situação extrema, a saída seria mudar a região de plantio para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Mas embora a temperatura venha a ser adequada, no Sul não ocorre o período de seca necessário para a secagem do café.


Projeto piloto
Com o objetivo de capacitar produtores de café, sobretudo de base familiar, para reagir aos impactos das mudanças climáticas, foi criada em 2010 a iniciativa internacional Coffee & Climate (Café e Clima). O projeto está sendo executado em quatro países-chave para a cafeicultura: Brasil, Guatemala, Tanzânia e Vietnã. 


O Coffe & Climate criou uma série de práticas que ajudam os produtores rurais a buscar saídas contra a falta de água e o aumento da temperatura. Os produtores locais participam ativamente do projeto.


"Nós desenvolvemos uma metodologia de triangulação de informações entre produtores rurais, extensionistas de campo, pesquisadores e cientistas para analisar os pontos convergentes em relação às alterações climáticas e buscar formas para atenuar ou se adaptar a esta mudança" diz Patrik Avelar Lage, coordenador do projeto no Brasil pela Fundação Hans Neumann.


O Brasil é o primeiro país em que o projeto entrou em execução. De acordo com Lage, foram desenvolvidas no país oito práticas para monitorar e ajudar na adaptação às mudanças no clima. "A ideia é estabelecer unidades demonstrativas para colher informações sobre as novas práticas, como a utilização de mudas de café de um ano, em vez de mudas de seis meses. Assim, as raízes já estão mais profundas e reagem melhor às condições adversas do clima, como em períodos de seca", diz.


Segundo o coordenador, produtores rurais e líderes comunitários estão ajudando a monitorar o clima, ao registrar regularmente temperatura e precipitação local. "As estações de coleta de dados climáticos geralmente têm um nível muito abrangente, então nós identificamos produtores que podem fazer este monitoramento local", diz Lage. Ele comenta que, pelos resultados obtidos, as oito práticas desenvolvidas no projeto podem ser uma boa saída para salvar as plantações das alterações climáticas.


O projeto é desenvolvido em Minas Gerais, nos municípios de Perdões, Santo Antônio do Amparo, Lambari, São Francisco de Paula, Ribeirão Vermelho e Cana Verde.




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